domingo, 6 de junho de 2010

2º Ato - O vendedor nordestino (2ª parte do causo)


- Como é que você tá, cara? Quanto tempo... não vai mais na academia não?
Antes de responder, o caipira rodou todos os arquivos de rostos de sua memória. Não, realmente não conhecia aquele coitado. E mesmo assim...
- Tudo bem!”, respondeu. “Mas acho que você tá me confundindo, cara.” “Não tô não! Você sumiu da academia, velho!”, insistiu o nordestino. “Cara, eu nem sou daqui”, retrucou o caipira, já sem graça. “Sério? Não, mas você é muito gente boa! Vou até de dar um presente aqui. Tá vendo essa pomada (e pega uma das latinhas redondas e douradas e um pedaço de jornal), ela serve pra dor nas costas, expectorante, massagem, formigamento... (ele disse mais outras várias indicações da tal pomada) e eu vendo ela por R$35,00, mas você é muito gente boa e vou te dar ela de presente...”. O caipira não achou ruim, logo no primeiro dia ganhando um presente em plena Avenida Paulista! “E essa aqui é a chinesinha...” Continuou o cara, pegando uma outra latinha redonda e dourada, ainda menor que a primeira, com o diâmetro pouco maior que uma moeda de 25 centavos. “Porque você ainda tá comendo aquele tanto de menina que você comia, né?!”, disse o nordestino, tratando o caipirinha como se realmente o conhecesse. Este, sem saber onde colocar a cabeça, riu amplamente pro cara, não sabendo o quê responder. “Isso aqui é assim: você passa nas bolas antes de meter, seu pau vai ficar durão, é mió que Viagra”, completou o nordestino. O caipira, na maior de sua simplicidade, disparou a rir (mas rir muito mesmo!)... “Então, eu tô te dando aqui R$70,00 em mercadoria (e foi embrulhando as duas latinhas no pedaço de jornal e colocando na sacola da farmácia que estava na mão do caipira). E tornou a repetir que se o caipira passasse a tal “chinesinha” nas bolas antes de meter, seu pau ficaria durão. “E agora você me dá uma contribuição, o tanto que você achar que mereço”, completou o nordestino. “Claro que não seria fácil, seu besta!”, pensou o pobre caipira, já arrependido de ter olhado pra trás – e ele sequer malhava... “Mas esse cara me fez rir muito, vou dar cincão pra ele.”, concluiu o caipira. Tirou a carteira do bolso, o nordestino em cima, de olho, pior que urubu em carniça, e se deparou com a seguinte situação: uma nota de vinte, uma de dez e outra nota de vinte. “PQP!”, pensou o caipira, tirando a nota de dez e, no auge de sua inocência, perguntando ao nordestino: “Você tem cinco de troco?”. É. Pobre caipira. No fim das contas o nordestino-espertão ainda tava pedindo MAIS cinco reais. Ele não deu. O nordestino disse que então tava tudo certo (belo desconto, ãn? De R$70 por R$10...). Ah! E quanto à pomadinha-viagra: está jogada num canto do quarto do caipira. Ele não teria coragem de passar tal cosmético nas suas partes...

sábado, 5 de junho de 2010

2º Ato - O vendedor nordestino (1ª parte do causo)

Logo no dia seguinte, não suportando mais uma tosse chata que não lhe deixava em paz (estilo “Roberto Carlos especial de fim de ano”), o caipira saiu rumo a uma farmácia. Ainda sem censo de direção na nova vila, virou à direita. Andou quatro (grandes) quarteirões para achar uma, quase a distância da sede da fazenda até o silo de grãos. Se tivesse virado à esquerda, teria dados uns 30 humildes passos, o mesmo que ir ao galinheiro no fundo do quintal. Eis que está voltando pra casa, louco pra tomar o xarope – que não era igual ao que sua avó mandava fazer, com mel, própolis, guaco e outras cositas más – e quando vira a esquina, se depara com um daqueles vendedores nordestinos, parado do lado de um caixote de feira, forrado com jornal e cheio daquelas pomadas-que-servem-pra-tudo (tudo mesmo. O vendedor citou, no mínimo, umas 15 indicações da tal pomada), vendidas numas latinhas douradas e redondas. Ele passa, olha pra “loja” e segue seu caminho.
- Ô, fulano, quanto tempo!.
Por um instante ele pensou ser impossível alguém ali estar lhe chamando, principalmente o tal vendedor. Afinal, sua vila era outra, bem distante daquela. E continuou andando.
- Ô, rapaz, tá sumido da academia...
Tamanha sua curiosidade, o caipira resolve olhar pra trás. A única coisa que ele não deveria ter feito.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

1º Ato - A chegada à cidade grande

Então o caipira chega a São Paulo. Encanta-se com os arranha-céus, com a diversidade de estilos e com a quantidade de Starbucks (que ele nem sabe o que significa). Encanta-se também com a Avenida Paulista, seu primeiro endereço na cidade grande, que somava mais prédios que sua humilde roça inteira. Logo no primeiro dia, ao sair da rodoviária pelo metrô, já se assusta com a intensa movimentação, em plena segunda-feira à noite. Com sua trouxinha nas costas - e uma mala pesada de doer pendurada no ombro - embarca naquela coisa, com muito “cuidado com o vão entre o trem e a plataforma”. Sentiu por dentro certo deboche para com a voz que saía dos alto-falantes, uma mistura de atendente de telemarketing e sex-fone. Depois de uma ou duas baldeações, desce na Brigadeiro. E não, não era aquele docinho que estava acostumado a comer em aniversários de crianças. Era uma rua. E das bem movimentadas, diga-se de passagem. Chega em seu novo canto, lar de um amigo de infância que aceitou abrigar o mais novo habitante daquele lugar. Acomoda-se e olha pela janela. “Uma nova jornada está para começar. Nem mesmo você resistiu à selva de pedra” – pensou ele, lembrando das sábias palavras de sua avó, deixada para trás, com pesar, em seu humilde casebre na roça.